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1 de setembro de 2022
Como o cigarro eletrônico invadiu as escolas e por que a culpa pode ser dos pais

Reportagem Luiza Vidal

Ilustração Marcos de Lima

Se antes as propagandas de cigarro, quando eram permitidas, mostravam o galã da época feliz e “saudável”, andando a cavalo enquanto fumava, hoje a história mudou e há um novo apelo. Basta ligar o celular e encontrar influenciadores digitais usando algo muito mais moderno e atraente: o cigarro eletrônico, conhecido também como vape, pod, jull e até pendrive —pelo fato de se parecer com o dispositivo.

Pequenos, “saborosos” e cheirosos, os DEFs (dispositivos eletrônicos para fumar) funcionam da seguinte maneira: ao colocar o produto na boca e sugá-lo, o líquido (essência) inserido no cartucho é aquecido internamente e, depois da tragada, resulta no tal do vapor —que, segundo os médicos, pode, sim, ser chamado de fumaça.

Apesar de estarem proibidos no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), esses produtos são facilmente comprados na internet ou em lojas de tabacaria e estão cada vez mais populares entre pessoas de 13 a 24 anos, conforme mostram pesquisas recentes. Por isso, não é difícil encontrar adolescentes e jovens adultos usando o dispositivo em bares, festas e até nos arredores de escolas —e, às vezes, dentro delas.

Após um longo tempo de análise, a Anvisa não liberou os cigarros eletrônicos, pois eles oferecem diversos riscos à saúde, como dependência de nicotina (presente na grande maioria) e problemas no pulmão e no coração, principalmente.

Entidades médicas, instituições e profissionais de saúde e da educação pedem mais fiscalização, além de campanhas para orientar os jovens e seus responsáveis sobre os perigos desses dispositivos.

Por acharem que os cigarros eletrônicos são inofensivos, muitos pais acabam permitindo que os adolescentes usem os produtos em festas ou até em casa, sem saber que isso pode levar seus filhos a se transformem na nova geração de fumantes —além de sofrerem com diversos problemas de saúde.

‘É um pendrive, professora’

Quando as aulas presenciais retornaram, em agosto de 2021, Eliane Nieman Mello notou um cenário novo na escola em que é diretora, localizada na zona sul de São Paulo: muitos estudantes, de 12 e 13 anos, falando (e usando) do tal do cigarro eletrônico.

Uma das alunas do 7º ano do colégio particular levou o produto e mostrou para as amigas. Quando uma das coordenadoras perguntou o que era aquilo, a adolescente disse ser um pendrive —os vapes estão cada vez mais parecidos com produtos do dia a dia de adolescentes.

Mas Eliane sabia exatamente o que era o dispositivo. Quando questionou a aluna, a garota confirmou a suspeita e disse, repetidas vezes, que aquilo não fazia mal. “Já percebi que os jovens não têm noção do quão perigoso é o cigarro eletrônico”, conta.

A diretora tentou resolver a história conversando e alertando os pais. O problema é que muitos não acham que o cigarro eletrônico faça tanto mal assim para o corpo —o que dificulta o controle do uso.

Alguns pais proíbem o consumo de álcool, mas permitem que os filhos usem o cigarro eletrônico. Há uma falta de informação, então, por mais que eu fale que faz mal, vem um outro lado e diz: ‘Não, não faz mal’.Eliane Nieman Mello, diretora de uma escola em São Paulo

Outro ponto levantado por Eliane é a facilidade de acesso: os alunos conseguem comprar em qualquer lugar —apesar de a venda dos dispositivos ser proibida no Brasil, com multa diária de R$ 5 mil para estabelecimentos que comercializarem o produto.

Dentro da escola ocorreram outros casos, e o que os profissionais de educação tentam fazer é sempre alertar, dar informações baseadas na ciência e realizar palestras com especialistas, sempre que possível. Mas será que é o suficiente?

O jovem precisa compreender que ele está com um dispositivo eletrônico na boca. Existem vários riscos à saúde e eles não se dão conta disso porque temos a indústria do tabaco dizendo que é um produto menos danoso. Então, a gente vai absorvendo essa ideia e normalizando o uso. Mas esse produto veio da indústria que mata mais da metade dos seus consumidores. Não podemos nos esquecer disso.

Andréa Reis, pedagoga e chefe da Divisão de Controle do Tabagismo e Outros Fatores de Risco do Inca (Instituto Nacional de Câncer)

Novidade, cheiro e sabor: o que atrai os mais jovens

Camila Chamas* e Letícia Camargo têm algo em comum. As duas usam o vape principalmente nos fins de semana, em festas e com amigos. O que atraiu as jovens de 20 anos foi a curiosidade e o cheirinho bom do vapor. As duas fumavam narguilé (produto de tabaco e também perigoso à saúde) e o cigarro eletrônico apareceu como uma opção mais agradável.

“Comecei a usar mais em festas, aquilo de ver todo mundo com um na mão. Fui experimentando de algumas pessoas e aí resolvi ter o meu. Assim, peguei o costume de, todos os fins de semana, comprar um”, conta Camila, que é estudante em São Paulo.

Deborah Carvalho Malta, médica e professora da escola de enfermagem da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), coordenou um estudo sobre o tema (veja abaixo) com jovens de 13 a 17 anos. Ela conta que, hoje, o cigarro eletrônico já é visto como um grande problema de saúde pública.

“Os jovens vão sendo induzidos pela indústria [do tabaco], que afirma que o produto é inofensivo e que, inclusive, é uma opção para ajudar a largar o cigarro comum, reduzindo danos. Mas isso é uma falácia, é um produto do marketing”, explica.

Segundo a médica, o cigarro eletrônico tem feito exatamente o oposto com os mais jovens: é uma forma de iniciar o hábito de fumar, que depois leva ao uso do cigarro tradicional —conforme um estudo do Inca já apontou. “Ele tem vários atrativos [para associar o ato de fumar a algo agradável]: a forma, a cor, o cheiro, o gosto”, afirma Malta.

*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.

‘Tive vidro fosco no pulmão’

Anthony Rodrigues*, 20, fumava o cigarro tradicional e o eletrônico. Em 2019, ele começou a ter problemas no pulmão (algo que é relatado por outros jovens): ao praticar esportes, sentia muita falta de ar e fadiga.

O médico, então, pediu uma tomografia, que mostrou “vidro fosco” no pulmão —problema caracterizado por uma lesão inflamatória no órgão, mas sem muita especificidade, como ocorreu com o sertanejo Zé Neto em dezembro do ano passado.

Como estava ao lado da mãe, o jovem omitiu a parte do cigarro tradicional e citou apenas o vape —o uso dos dois é ainda mais agressivo para a saúde, segundo os médicos. Anthony logo cortou o cigarro eletrônico e diminuiu o uso do convencional. Ainda sente um certo cansaço, mas já está melhor.

“O vape tirava minha vontade de fumar o cigarro tradicional, então usava mais o eletrônico. E, quanto mais você fuma o dispositivo, mais você quer experimentar outros sabores”, conta o jovem de Cuiabá.

De acordo com especialistas, utilizar esses produtos nesta faixa etária pode ser ainda mais agressivo para o corpo. Motivo: além do maior risco de ter dependência química, o pulmão —porta de entrada do vapor— ainda está em desenvolvimento.

“O órgão se desenvolve entre os 12 e os 25 anos. Quando você submete o pulmão a tanta agressão, seu desenvolvimento é menor. A reserva que ele precisaria para funcionar bem até os 30 anos diminui”, afirma João Batista de Sá, pneumologista do Hospital Universitário da UFMA (Universidade Federal do Maranhão).

*O nome foi alterado a pedido do entrevistado.

Sou professor do ensino fundamental e médio em uma escola pública. Ocorreu um único caso no colégio, quando um aluno de 13 anos trouxe o objeto e fumou dentro da sala de aula. O produto foi tomado e os pais foram notificados. Não tivemos nenhuma orientação sobre as medidas a serem adotadas, só que nas minhas aulas eu não deixarei ninguém fumar, somente se vier uma ordem de instâncias superiores.

Thiago Sprovieri, professor de uma escola pública de São Paulo

Fonte: https://www.uol.com.br/vivabem/